sexta-feira, 7 de março de 2008

PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA - DECLARATÓRIA - FALTA DE INTERESSE PROCESUAL - INDEFERIMENTO DA INICIAL

Autos nº : 0707 07 142.........

Classe : Declaratória

Requerentes : ............... e .....................

Requerido : O Juízo

Decisão

............ e .........., ajuizaram a presente ação por eles denominada de “DECLARATÓRIA DE PROPRIEDADE DE IMÓVEL”, alegando, em síntese, que seus genitores adquiriram de .................. e sua mulher a casa residencial e seu respectivo terreno, situados nesta cidade, na Alameda ............., nº ........., no bairro ........., mediante escritura pública de procuração em causa própria, não levada a registro imobiliário e posteriormente retificada por outra escritura pública; com o falecimento dos genitores procederam os requerentes aos respectivos inventário, declarando erroneamente encontrar-se o imóvel inscrito no registro imobiliário em nome dos Inventariados, seus falecidos genitores, obtendo o formal de partilha que não pode ser registrado, em virtude de ainda encontrar-se o imóvel registrado em nome de ...................

Em razão disso postulam deste juízo a declaração de serem “possuidores a justo título, do bem inventariado e descrito no articulado 1 (fl. ....., dos autos de inventário/arrolamento nº 0707......... e fl..... dos autos de inventário/ arrolamento nº 0707........), em virtude de sua aquisição pelos meios da lei civil e, via de conseqüência, seja expedido Alvará endereçado ao Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca, para proceder o registro do Formal de Partilha, em nome dos herdeiros requerentes”.

Relatados no essencial, DECIDO.

De início é de se rejeitar a pretensão dos requerentes de se expedir alvará para obrigar o Cartório de Registro de Imóveis a registrar o formal de partilha expedido, porquanto tal ocorrendo, quando ainda registrado o imóvel em nome de terceiros e não das pessoas inventariadas, estaria se violando a lei, por afronta ao princípio da continuidade.

Nesse sentido:

REGISTRO PÚBLICO - DÚVIDA - TÍTULOS ANTECEDENTES - EXIGÊNCIAS PENDENTES - TÍTULO POSTERIOR - REGISTRO - IMPOSSIBILIDADE. Adjudicação de imóveis em hasta pública não é forma originária de aquisição de propriedade. Remanescendo pendentes exigências acerca de títulos levados a registro em antecedência à carta de adjudicação também e posteriormente protocolizada para registro, o oficial está impedido de proceder ao registro desta ao arrepio do cumprimento das exigências dos títulos antecessores que, assim, não registrados, maculariam o princípio da continuidade do registro público. As exigências não se convalidam em cumprimento pelo simples transcurso de lapso temporal. Negado provimento ao apelo”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Terceira Câmara Cível - Apelação Cível nº 1.0024.03.893744-7/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Lamberto Sant'anna - Data do acórdão: 02/09/2004 - Data da publicação: 24/09/2004).

Lado outro, a procuração em causa própria referida na inicial e cujo traslado encontra-se às fls. 6/8, contém os requisitos legais para ser considerada como tal, porquanto nela presentes o imóvel alienado (res), o preço (pretium) e o acordo (consensus).

Com efeito, a procuração em causa própria vale, conforme o caso, como instrumento ou escritura de cessão de direitos ou como escritura de compra e venda de imóveis, não podendo ser revogada e não se extinguindo pela morte de qualquer das partes, conforme expressamente estabelece o artigo 685 do Código Civil, a saber:

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais”.

Tanto é verdade que para se lavrar a procuração em causa própria teve o mandatário adquirente que recolher aos cofres públicos o imposto de transmissão inter vivos, anotado naquele instrumento pelo valor de “Cr$377.700,00”, ao passo que o tabelionato se viu obrigado a emitir a declaração sobre operação imobiliária.

Ora, em se tratando de instrumento público irrevogável e irretratável, com preço pago e imposto de transmissão recolhido, possível a qualquer tempo o seu registro imobiliário.

E nem se argumente que a lei de registros públicos (6.015/73) não faz qualquer remissão a procuração em causa própria, porquanto no rol dos títulos admitidos para registro, previsto em seu artigo 221, sabiamente o legislador fez consignar no inciso I a forma genérica das “escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros”. Como se sabe, a procuração lavrada em tabelionato é também uma escritura pública...

Extrai-se da doutrina de MARIA HELENA DINIZ ser a procuração em causa própria,

"outorgada no interesse exclusivo do mandatário e não no do mandante, isentando, por isso, o mandatário da necessidade de prestação de contas (RT, 502:66, 515:191), dando-lhe poderes ilimitados, equivalendo tal mandato à venda ou cessão (RT 237:227, 323:214, RF, 157:118, 102:93; AJ, 107:325, 109:449). Portanto, a procuração em causa própria nada mais é do que uma cessão de direitos, por haver transferência irrevogável do direito do mandante para o mandatário, (...). É uma cessão, que pode operar transmissão de propriedade, visto conter concessão de poderes ilimitados na disposição do bem, por atribuir qualidade de dono da coisa ou do negócio, sendo lavrada por escritura pública levada a registro. Dispensa, obviamente, a prestação de contas. Difere da compra e venda, porque nesta o adquirente age em nome próprio, e, na procuração em causa própria, o mandatário age em nome do mandante que é o alienante. Tal procuração não se extinguirá com a morte do mandante ou do mandatário, pois os sucessores do alienante deverão respeitá-la e os do adquirente poderão levar o título a registro" (In, DINIZ, Maria Helena, Tratado Teórico e prático dos contratos, Saraiva, São Paulo, Vol. 3, 2.ª Ed., 1996, p. 253). – Grifei.

Ainda a respeito da possibilidade do registro imobiliário da procuração em causa própria, desde que contenha os requisitos essenciais (instrumento público, preço, objeto e consenso), destacam-se as seguintes passagens do voto proferido pelo eminente Desembargador José Amâncio, quando do julgamento pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais da Apelação Cível nº 1.0470.04.016810-1/001, da Comarca de Paracatu:

“Ademais, a procuração em causa própria deveria ter sido registrada no Cartório de Registro de Imóveis, mencionando o preço, não citado em nenhum momento no instrumento de mandato (f. 09), sendo conveniente salientar ser o contrato de compra e venda aquele em que uma parte (vendedor) compromete-se a transferir a outra (comprador) o domínio de um bem mediante o pagamento de uma certa quantia em dinheiro ou valor fiduciário equivalente.

A exigência do registro da procuração no Cartório de Registro de Imóveis, justifica-se pelo fato de que o ordenamento jurídico pátrio não reconhece força translativa de domínio aos contratos, nos temos do artigo 1.245, § 1º do Código Civil, verbis:

"Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".

A propósito:

"EMBARGOS DE TERCEIRO - PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA NÃO REGISTRADA NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS, DA QUAL NÃO CONSTA A FIXAÇÃO DO PREÇO DO BEM - ELEMENTO ESSENCIAL DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA - COMPRA E VENDA INEXISTENTE - REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO - CONDITIO SINE QUA NON PARA TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO DE BEM IMÓVEL - APLICAÇÃO DO ART. 530, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL - PROPRIEDADE OU POSSE NÃO COMPROVADAS, NOS TERMOS DO ART. 1046, CAPUT, E §1º, DO CPC - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INEXISTÊNCIA. Para que se atribua à procuração em causa própria o valor de um contrato de compra e venda, necessário tratar-se de documento que contenha os elementos essenciais àquele contrato, quais sejam, a coisa, o preço e o consentimento e que esteja registrado no Cartório de Imóveis. (...)" (TAMG - Apelação Cível nº 298.789-9, Terceira Câmara Cível, rel. Juiz Kildare Carvalho, J. 23 de fevereiro de 2000).

Já nos idos de 1964, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do Recurso Extraordinário nº 54.633, relatado pelo insuperável Ministro Evandro Lins, assentava que a procuração em causa própria,

“é título equiparável a escritura de compra e venda para as transações imobiliárias, mas para a transferência da propriedade é necessária a sua transcrição no registro de imóveis

Desta forma, possível aos requerentes promover o registro imobiliário da procuração em causa própria cujo traslado se encontra às fls. 06/08, transferindo dessa forma o domínio do imóvel nela descrito, cujo preço foi integralmente pago, para o mandatário-adquirente ........................

É certo que o registro imobiliário deve usar de redobrados cuidados no registro da procuração em causa própria, muitas vezes utilizada para infringir regras rígidas do Sistema Financeiro da Habitação, que impedem a compra e venda de imóveis adquiridos com recursos oriundos de programas habitacionais do Governo, com juros inferiores ao do mercado.

No entanto essa mesma vedação ao registro da procuração em causa própria também se aplica às escrituras públicas de compra e venda desses imóveis, sem anuência do credor hipotecário, o que não ocorre no caso concreto onde já houve a quitação do crédito habitacional, com liberação da hipoteca (fl. 10).

E uma vez registrado tal título, com a transferência do domínio, basta uma simples retificação por termo nos autos do inventário, do número do registro imobiliário, para possibilitar o registro do formal de partilha já expedido e, com isso, atingir a pretensão dos requerentes.

Disso tudo decorre não necessitarem os requerentes de obter qualquer declaração judicial, faltando-lhes o indispensável interesse para movimentar a máquina judiciária, e, conseqüentemente, uma das condições da ação.

Em face do exposto, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, o que faço com fulcro no artigo 295, inciso III do Código de Processo Civil, por faltar aos requerentes interesse processual.

Custas pelos requerentes, já recolhidas.

Ao trânsito, arquivem-se com baixa.

P. R. I.

Varginha, 03 de julho de 2007.

ANTONIO CARLOS PARREIRA -
Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões

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